Essa concepção instrumental e liberal da moeda, apesar de coerente com uma visão da sociedade que privilegia os mecanismos de mercado, não está isenta de paradoxos. Principalmente, porque, mesmo quando livre de qualquer intervenção estatal, a natureza das trocas monetárias torna difícil, ou até impossível, a existência de uma ?boa? moeda, ou seja, de um instrumento que exerça corretamente sua função de intermediário das trocas.
Na verdade, ao contrário do escambo, em que o comprador de um bem X é na mesma operação o vendedor de um bem Y, o comércio monetário é composto de duas transações distintas, separadas no tempo: o agente primeiro vende Y por algum dinheiro (sem comprar, portanto) e depois compra X com esse dinheiro (logo, sem vender). Se a moeda é apenas um instrumento, o agente só concretiza a transação monetária se obtiver alguma vantagem; esta existe, segundo os manuais, porque é mais fácil o agente encontrar um comprador para Y e um vendedor de X que descobrir uma única pessoa que deseje Y e ofereça X.
É preciso, ainda, que essa vantagem não seja anulada por um obstáculo que impeça o agente de utilizar, para comprar X, o dinheiro obtido com a venda de Y, ou que esse dinheiro só permita comprar de X uma quantidade inferior à que seria obtida mediante o escambo. Para que o agente privado possa escolher a modalidade de intercâmbio monetário ? argumento essencial do enfoque instrumental e liberal da moeda ? é preciso, portanto, que a moeda continue a ser reserva de poder de compra durante o tempo que separa as duas transações
É aí que se constitui o paradoxo. Se, na realidade, o instrumento escolhido como moeda cumprir mal essa função de reserva (ou seja, se a permanência de seu poder de compra não for garantida), seus detentores desejarão passá-lo adiante tão logo o receberam, ou mesmo abandoná-la para retornar pura e simplesmente ao escambo. Esse fenômeno é característico das situações de hiperinflação.
Se, ao contrário, o instrumento escolhido como moeda desempenhar bem sua função de reserva, os agentes privados tenderão a estacá-lo como riqueza, e esse entesouramento irá retirá-la de circulação ? o que também impedirá a moeda de cumprir sua função como intermediária de trocas.
No âmbito das moedas metálicas, esse fenômeno foi logo verificado e posteriormente batizado como Lei de Gresham, devido ao nome de um financista inglês do século XVI, que observara: ?a má moeda expulsa a boa.? Ocorre o mesmo com a moeda fiduciária?, pois esta tem como origem a confiança depositada pelos agentes em uma moeda à qual atribuem a qualidade de reserva do poder de compra. No decênio de 1930, John Maynard Keynes apontou a ?preferência pela liquidez? como causa principal da incapacidade de uma economia monetária atingir um nível estável de pleno emprego. No plano internacional, o ?dilema de Triffin? realçou, nos anos 50, a incapacidade de os EUA simultaneamente assegurarem o aprovisionamento mundial de dinheiro líquido e a manutenção da confiança no dólar como moeda de reserva.
Portanto, é uma ilusão reduzir a moeda a um simples intermediário das trocas, gerado pelo funcionamento do mercado; e quanto mais se partir do princípio de que os agentes escolhem acumular a moeda em função de um simples cálculo econômico, maior é o risco de uma desordem monetária.
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